Renato Meirelles

Consumo nas favelas é maior que o de 22 estados brasileiros

Levantamento do Data Favela revela a potência econômica e os hábitos de consumo de mais de 17 milhões de brasileiros que vivem nesses territórios

Apesar da imagem de vulnerabilidade, moradores de favelas e periferias movimentam uma massa de renda maior que a de 22 estados brasileiros. Pesquisa realizada pelo Instituto Data Favela, em parceria com a Cufa, aponta que a população que vive nesses territórios movimenta anualmente cerca de R$ 300 bilhões com renda própria. O levantamento, que ouviu 16,5 mil moradores, reforça a potência econômica das favelas brasileiras.

“Estamos falando de um território que soma mais em renda própria por ano do que o PIB anual de muitos estados. A favela não é carência, é mercado. Um mercado que compra, constrói, investe e transforma. Ignorar essa força é abrir mão de relevância econômica no Brasil real”, afirmou Renato Meirelles, fundador do Data Favela.

Atualmente, o Brasil possui cerca de 12,3 mil favelas mapeadas, o equivalente a 6,6 milhões de domicílios, dado que representa 8% dos lares brasileiros. Mais de 17 milhões de brasileiros moram em favelas e periferias, o equivalente à população do estado do Rio de Janeiro, ficando atrás apenas dos estados de São Paulo (45,9 milhões) e Minas Gerais (21,3 milhões).

Sobre os hábitos de consumo entre essa parcela da população, cerca de 80% dos entrevistados revelam que se esforçam para comprar produtos que não puderam ter na juventude. Para 85%, economizar e conquistar algo com esforço pessoal é motivo de realização. Por outro lado, 62% já se sentiram excluídos por não poder consumir algo da moda e metade já passou por constrangimento por não possuir uma marca ou produto específico.

“A Cufa ir às ruas e levantar esses dados em parceria com o Data Favela demonstra que a favela sabe se reconhecer em números. Não queremos mais ser vistos apenas como estatística de tragédia, queremos ser estatística de consumo, de sonhos, de investimento. E estamos preparados para isso”, reforça Marcus Vinícius Athayde, presidente da Cufa.

Entre os desejos de consumo, o levantamento revela que nos próximos seis meses, 70% dos entrevistados disseram que pretendem comprar roupas, 60% querem comprar perfumes, 51% citaram produtos de beleza, eletrodomésticos e materiais de construção. A educação também aparece como prioridade: 43% querem investir em cursos e 29% em idiomas. A Região Norte apresenta os maiores índices de intenção de compra em quase todas essas categorias, como roupas (77%), perfumes (67%), materiais de construção (59%) e eletrodomésticos (61%).

A valorização da aparência também ocupa papel central: 77% se importam muito com sua imagem, 57% consideram cosméticos itens de primeira necessidade e 37% acreditam que a boa aparência aumenta as chances de sucesso profissional. A influência das redes sociais é significativa, com 63% buscando dicas e tutoriais de beleza e 57% se inspirando em personalidades com trajetórias semelhantes às suas.

“O desejo de consumo está vivo nas favelas, e pulsa em todas as categorias, do vestuário à educação. Quem vive nesses territórios quer comprar, renovar a casa, se cuidar, investir no futuro. Eles agem com planejamento, buscam alternativas e priorizam o que faz sentido no dia a dia. Mas é preciso ir além da venda: olhar para esses territórios com respeito e com escuta. Quando a favela se vê representada na comunicação, no atendimento e nas vitrines, ela consome com a certeza de que aquele espaço também foi feito para ela”, destacou Meirelles.

O levantamento revela ainda um cenário de otimismo: 90% dos moradores acreditam que sua vida vai melhorar no próximo ano. Para 56%, o próprio esforço é o principal motor da transformação. Além disso, 94% dizem sentir orgulho de morar na favela, e 87% afirmam que nesses territórios todo mundo ajuda todo mundo. “Esta pesquisa ajuda a desconstruir inúmeros estereótipos. Quem enxerga a favela apenas pela ótica da carência está olhando com a perspectiva errada. Aqui há pessoas que trabalham, que movimentam bilhões e que desejam muito mais”, reforça”, apontou Marcus Vinícius.

Mesmo com uma visão positiva sobre o futuro, os moradores das favelas também indicam melhorias que gostariam de ver nos territórios onde vivem. Quando perguntados sobre qual é a principal melhoria que gostariam de ver, as respostas revelam prioridades como habitação (19%), maior acesso a hospitais e postos de saúde (18%), segurança (18%) e infraestrutura essencial, como esgoto e iluminação pública (14%). Também foram mencionados o respeito aos moradores (9%), mais opções de lazer (7%), escolas (5%) e transporte (4%).

Além do que esperam para o território, os moradores também compartilham sua visão sobre a própria trajetória. Para 56% dos entrevistados, o principal motor da mudança é o próprio esforço. Outros 19% creditam essa força à fé, Deus ou à igreja. Apenas 11% apontam o governo como principal agente de mudança, seguidos por família (7%), comunidade (3%) e, com menos de 1%, amigos, empresas, sorte ou ninguém.

Presença digital e busca por custo-benefício

O e-commerce já é realidade nesses territórios: 6 em cada 10 moradores compram em marketplaces, com destaque para Shopee, Mercado Livre e Shein. Ainda assim, há desafios logísticos: três em cada cinco já enfrentaram atrasos na entrega, um em cada cinco deixou de receber encomendas por falhas de endereço, metade recebeu mensagens falsas e um terço caiu em golpes digitais.

Já no comportamento de compra em geral, a preferência é por produtos com bom custo-benefício, sem abrir mão da qualidade. Para 83% dos moradores, encontrar itens mais baratos com desempenho semelhante aos mais caros é motivo de orgulho, não apenas economia. A marca, nesse contexto, funciona como um selo de confiança: ela tangibiliza a qualidade, reduz os riscos de desperdício e oferece segurança na escolha.

A experiência de compra também conta. Quase 90% valorizam um bom atendimento e 42% estariam dispostos a pagar mais por isso. A sustentabilidade também aparece como critério importante: 86% valorizam práticas sustentáveis e 41% aceitariam pagar mais por produtos com esse perfil.

Para Meirelles, o preço é o ponto de partida, mas nunca o único critério. “Quem vive nesses territórios sabe o valor de cada real gasto e, por isso, valoriza qualidade, praticidade e durabilidade. O custo do erro é alto, e a marca funciona como um selo de confiança: é ela que reduz o risco de desperdício, evita retrabalho e entrega segurança. Consumir bem não é só economizar, é se sentir inteligente pela decisão tomada. E quando a experiência respeita o consumidor, há disposição para pagar mais. O consumidor quer custo-benefício real”.

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