Em vez de depender apenas do score de crédito, bancos estão analisando informações como renda real, tempo de emprego, hábitos de consumo e localização geográfica
Autora: Patricia Matheus
O crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada está passando por uma transformação silenciosa — mas profunda. Impulsionado por novos marcos regulatórios, avanço tecnológico e um cenário econômico mais estável, esse mercado dá sinais de maturação e promete crédito mais justo e acessível. No entanto, desafios importantes ainda impedem o avanço pleno dessa modalidade.
Com cerca de 39,8 milhões de brasileiros formalizados, segundo dados recentes do IBGE, e um desemprego em queda — que fechou e, 6,2% no trimestre encerrado em maio —, o contexto atual é propício para a expansão do crédito. A renda média do trabalhador chegou a R$ 3.410, e estados como Santa Catarina (87,8%), São Paulo (83,4%) e Rio Grande do Sul (81,5%) lideram os índices de formalização no país.
Desde março, o programa “Crédito do Trabalhador”, lançado pelo governo federal, ampliou o acesso ao consignado no setor privado. A iniciativa permite o uso do FGTS como garantia e, com a edição da MP 1.211/2024, tornou obrigatória a apresentação de contrapropostas por parte dos bancos nos pedidos de portabilidade. O impacto foi imediato: mais de 2,3 milhões de trabalhadores atendidos e R$ 13 bilhões em crédito liberados.
Apesar dos números promissores, o setor enfrenta um paradoxo. A procura pelo consignado cresceu, mas a conversão em contratos ainda é baixa. Um dos principais motivos é a distância entre as ofertas genéricas dos bancos e a realidade financeira do trabalhador. “Personalizar a taxa não basta. É preciso personalizar toda a jornada do crédito”, avaliam especialistas do setor.
Instituições financeiras estão, aos poucos, se adaptando. A aposta agora é em dados alternativos para compreender melhor o perfil do trabalhador CLT. Em vez de depender apenas do score de crédito, bancos estão analisando informações como renda real, tempo de emprego, hábitos de consumo e localização geográfica. O objetivo é criar propostas mais adequadas — e eficazes.
A infraestrutura para isso está em desenvolvimento. Com investimentos em hubs de dados, APIs abertas e motores de decisão inteligentes, começa a surgir um ecossistema capaz de oferecer crédito em tempo real, com análise precisa e redução de risco. Mais do que acelerar a concessão, esse modelo fortalece a confiança do consumidor.
Ainda assim, a lacuna de comunicação permanece um gargalo. Muitos trabalhadores não compreendem os termos das ofertas ou desconfiam da viabilidade do consignado. Especialistas defendem mais empatia e transparência na comunicação, inclusive com uso de canais digitais personalizados.
Outro ponto de atenção são as regiões Norte e Nordeste, que ainda registram altos índices de informalidade. Nessas áreas, o consignado pode ter papel estratégico, desde que venha acompanhado de educação financeira e abordagem mais assistida.
O desafio, portanto, não é apenas financeiro ou tecnológico. Trata-se de reposicionar o consignado como plataforma de relacionamento com o trabalhador brasileiro, e não apenas como um produto de prateleira.
Neste novo ciclo, os vencedores não serão necessariamente os maiores, mas os mais inteligentes. Dados, agilidade e empatia tornam-se os novos critérios de competitividade. E, se bem utilizados, podem inaugurar uma era de crédito mais humano, inclusivo e sustentável.
Patricia Matheus é country manager da Provenir.