Para as marcas de bebidas, há um paradoxo no equilíbrio entre os ganhos e a conscientização dos consumidores
Autora: Fernanda Di Giaimo
Jovens bebem menos, evitam ressacas e preferem o bem-estar a passar noites acordados, claro comportamento que evidencia uma mudança de comportamento. O questionamento que fica é: será que o consumo exagerado de álcool está fora de moda? Em todo o mundo, as pessoas estão reduzindo a ingestão de bebida alcoólica, e não podemos negar que beber demais ou a ideia da bebida como um facilitador social imprescindível parece não fazer mais sentido nos dias atuais.
Historicamente, exagerar no consumo era um hábito mais comum entre os mais novos — justamente por serem pessoas que estavam começando a beber, mas ainda não conheciam os efeitos do álcool e os limites do seu corpo —, ou que costumavam frequentar festas com frequência. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Datafolha, divulgada em 2022, 54% dos jovens e adultos entre 15 e 29 anos afirmaram não frequentar ou frequentar boates pelo menos de uma vez por ano. Os ritos de passagem para a vida adulta, que em muitos momentos eram marcados pela possibilidade de consumir bebidas alcoólicas, agora parecem não ter muita importância.
Ainda é cedo para dizer se esta é uma mudança que veio para ficar, mas o que acontece do outro lado do espectro não pode ser esquecido pela indústria. A ingestão excessiva de álcool pode ser prejudicial não apenas para quem bebe, mas também para as pessoas ao seu redor. Claro que, diante das transformações do mercado, é difícil para as empresas se manterem relevantes, estimulando a ingestão consciente, mas tenho certeza de que, embora desafiador, não é impossível — e é extremamente necessário.
Para as marcas de bebidas, há um paradoxo no equilíbrio entre os ganhos e a conscientização. É óbvio que qualquer empresa, não importa o setor de atuação, vai buscar crescimento e máxima lucratividade. No caso do segmento de bebidas, a ingestão responsável não pode e não deve ser ignorada — indo além da mensagem “beba com moderação”.
O mercado publicitário brasileiro estabelece diversas regras que precisam ser cumpridas pelos anunciantes, justamente para proteger o consumidor de mensagens de consumo excessivo, explícitas ou não. As empresas que não cumprem com tais exigências podem sofrer sanções importantes. Com medo de tais retaliações, as multinacionais costumam ser as mais cuidadosas, justamente porque os danos à imagem causados por uma comunicação irresponsável podem ser grandes.
Quando falamos em propaganda responsável, não se trata apenas de cumprir com as exigências regulatórias, mas sim de incentivar um comportamento moderado em todos os pontos de contato com o cliente. Em um vídeo publicitário, por exemplo, é possível mostrar que nem todos os personagens estão bebendo. Pode parecer um mero detalhe, mas já é bem diferente de uma cena em que todos aparecem com copos na mão, além de criar a inclusão daqueles que não bebem com frequência no mesmo espaço de quem bebe.
Para se manter atualizado diante das mudanças e estimular um consumo responsável, não é preciso, necessariamente, alterar o portfólio incluindo bebidas zero álcool. Desenvolver novos produtos pode implicar um gasto expressivo em pesquisa e novas tecnologias, que nem toda companhia está disposta a fazer e, por isso, as que têm uma postura mais conservadora ou menos verba disponível podem querer esperar até que uma tendência se prove mais sólida.
Mais do que mudar radicalmente a estratégia ou a estrutura de produção, as empresas precisam estar atentas às tendências e, principalmente, conectadas de verdade com os consumidores. A queda no consumo de uma parcela da população aparece como uma ótima chance de incentivar um comportamento mais equilibrado e promover a convivência entre quem bebe e quem não bebe, no mesmo ambiente. Só essa mistura de perfis já ajuda, naturalmente, a evitar os excessos. As marcas passam a ter a oportunidade de se conectar com as pessoas em um nível mais abstrato, compartilhando valores e passando a integrar o repertório de quem é impactado e que pode consumi-la em uma oportunidade futura.
A maioria dos mercados tende a apresentar movimentos cíclicos ao longo do tempo. No universo dos destilados, vimos várias mudanças nos últimos 20 anos — categorias como gin e licor, antes esquecidas, ficaram em segundo plano enquanto a vodca dominava. O gin voltou a ganhar espaço há cerca de uma década; já os licores conquistaram o paladar do público nos últimos quatro anos, enquanto a vodca perdeu protagonismo. Essas oscilações ampliaram o repertório de escolhas disponíveis.
Esses exemplos mostram como o comportamento das pessoas é dinâmico e aberto a novas formas de se relacionar com a bebida alcoólica. Em um cenário em constante transformação, quem realmente sai ganhando é o público, que — independentemente da frequência com que consome — passa a contar com novas possibilidades e ocasiões de consumo. A moderação, neste contexto, se torna o ponto de equilíbrio que conecta os dois extremos desse espectro: dos que bebem com regularidade e precisam evitar os excessos aos que preferem a abstinência.
Fernanda Di Giaimo é head de marketing para o Sul da América Latina na Zamora.