O descompasso preocupante entre o que se fala e o que realmente se faz
Autor: Gleison Loureiro
O termo ESG se tornou onipresente em estratégias corporativas, relatórios e discursos institucionais. E, se ele fosse praticado como é anunciado, isso seria uma ótima notícia para o mercado e para o mundo. Contudo, há um descompasso preocupante entre o que se fala e o que realmente se faz.
O último relatório da Market Analysis sobre greenwashing — a prática de divulgar falsamente atos ou itens sustentáveis — indica que 85% das alegações ambientais encontradas em produtos no Brasil não se sustentam. Para 17% delas, há falta de provas; para 16%, são feitas declarações irrelevantes; e para 57%, a comunicação é muito vaga e não especifica qual o ganho ambiental ou processo sustentável em questão.
Esses dados se refletem em uma falha muito presente no meio corporativo: a falta de compliance. No anuário mais recente da Bells & Bayes Rating Analytics sobre ESG, apesar de 63% das companhias cobertas terem feito um Relatório de Sustentabilidade, apenas 29% passaram por auditoria externa. O que significa que a validação de boa parte das empresas é feita por elas próprias, ou por ninguém, o que, no mínimo, gera dúvidas quanto à credibilidade dos dados apresentados. Sem rodeios, a ausência de governança e compliance, faz com que qualquer iniciativa ESG corra o risco de ser interpretada como apenas mais um teatro corporativo.
O “G” do ESG não poderia ser ignorado assim. Ele é frequentemente tratado como pura burocracia, como se fosse o patinho feio da sigla, já que o “E” e o “S” são mais visíveis e mais fáceis de promover. Mas negligenciar a governança é um erro crasso que pode custar caro para o negócio. Casos como o da Americanas e da Petrobras mostram que falhas nesse pilar podem destruir o valor de mercado e a reputação construída ao longo de décadas. Governança é, antes de tudo, o eixo que sustenta decisões responsáveis, transparentes e éticas, inclusive nos aspectos ambientais e sociais.
Já o compliance, que trabalha diretamente no cumprimento das regras, é o sistema nervoso de uma estratégia ESG de verdade. Enquanto a governança aponta para onde a empresa quer ir em termos de impacto e responsabilidade, o compliance garante que ela esteja trilhando esse caminho de forma legal e rastreável. Estrutura de controle, gestão de riscos, cultura organizacional e transparência, entre outros pontos, só são possíveis quando há mecanismos confiáveis para sustentar as promessas feitas ao mercado e à sociedade.
A tecnologia pode ser uma grande aliada neste sentido. Ferramentas como automação de monitoramento, inteligência artificial, blockchain e analytics avançada permitem que empresas coletem, organizem e analisem dados ESG com mais precisão e rapidez. Plataformas que reúnem esse tipo de solução ajudam muito na gestão de requisitos legais. É a diferença entre operar com uma planilha e contar com um sistema que antecipa riscos e oportunidades. É o tipo de investimento que faz sentido estrategicamente e eticamente.
O hype do ESG não é um problema, mas a forma de agir de algumas empresas sim. Ora, se 85% das alegações ambientais são greenwashing, então 85% das empresas estão mentindo sobre sustentabilidade. O problema não é técnico, é ético.
A pergunta que deveria guiar qualquer estratégia ESG é: se fôssemos auditados hoje, passaríamos no teste? Se a resposta for não, é sinal de que ainda há mais marketing do que prática.
A sustentabilidade real começa quando as empresas param de contar histórias bonitas e começam a mostrar dados auditáveis. Governança e compliance não são detalhes nesse processo, são a diferença entre ter um negócio sólido e ter uma bomba-relógio corporativa.
Gleison Loureiro é CEO do AmbLegis.